por Ana Clara Brant, do Correio Braziliense, 06/03/2011.
O que há em comum entre um técnico em eletrônica, um estilista e um dentista? Aparentemente, nada. Mas os três fazem da folia o seu ganha-pão e são carnavalescos de escolas de samba de Brasília. O primeiro, Isaías Mendonça, 41 anos, transformou o barracão de sua escola do coração em casa. O segundo, Pedrinho da Águia, 58, fez o contrário. Fez da casa o barracão. Já o xará Pedro Marques, 50, que deixou a odontologia há sete anos para se dedicar ao carnaval, está a pelo menos 1.200km do barracão de sua agremiação, mas nem por isso deixa de viver intensamente a rotina momesca.
Enquanto Isaías comanda a Aruc, Pedro Paulo Lacerda, o Pedrinho, é o responsável pela Águia Imperial de Ceilândia. O carioca Pedro Marques é estreante no carnaval brasiliense e está à frente da Acadêmicos da Asa Norte. Todos têm sua trajetória de vida e trabalho dentro do samba. Fantasias, carros-alegóricos e adereços são assuntos corriqueiros, mesmo quando o carnaval nem está próximo, mas que se intensificam na reta final da festa mais popular do país. “É meio clichê dizer isso, mas somos uma das poucas pessoas que respiram o carnaval o ano inteiro. Assim que passa a quarta-feira de cinzas, começa tudo de novo para o próximo ano. É o nosso trabalho, a nossa vida”, comenta Pedro Marques.
Devido a uma parceria entre sua escola, a Unidos da Tijuca, atual campeã do carnaval carioca, e a Acadêmicos da Asa Norte, ele acabou assumindo a folia da agremiação candanga. Desde agosto, está na ponte-aérea Rio-Brasília para coordenar o que se verá no desfile da próxima terça-feira. Assim que recebeu o convite, teve que se inteirar de tudo o que envolve a folia no DF com o objetivo de planejar e desenvolver o enredo escolhido para este ano, que trata dos 50 anos do Sindicato dos Bancários. “A gente está levando setores do Rio para Brasília e assim passar todo nosso know-how. O contrário também acontece. Várias pessoas da Acadêmicos da Asa Norte estão indo para a Unidos da Tijuca, participar de cursos, workshops. As próprias fantasias da escola são confeccionadas no Rio”, revela.
Marques acrescenta que a folia em Brasília precisa de uma repaginação e que isso é papel justamente de quem faz o carnaval. “Não é a liga, a associação, nada disso. As pessoas das escolas é que têm que tomar as rédeas. Foi assim no Rio e espero que isso também aconteça no DF. Deve se plantar agora para colher no futuro”, aconselha.
Integrante da equipe do premiado carnavalesco Paulo Barros, na Unidos da Tijuca, Marques aposta no profissionalismo sempre: “Minha visão de carnaval é de estudo e pesquisa. Mas faço um carnaval para os jurados. Procuro analisar os critérios de cada um, até porque, não existe o quesito luxo e beleza e o que prevalece no fim é a nota do julgador. Fiz muitos cursos de aperfeiçoamento, mas a minha prática é o maior aprendizado, além da criatividade, que acaba fazendo diferença. Isso sem falar na equipe. Um carnavalesco sem um bom time não é nada”, analisa.
Aruc
Trabalho em equipe também é o lema de Isaías Mendonça. À medida que o carnaval se aproxima, vai deixando de lado o ofício de técnico em eletrônica para se dedicar exclusivamente à agremiação onde cresceu e conhece desde a infância: a Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc). Já há algum tempo, a tradicional escola brasiliense decidiu criar uma comissão de carnaval, em que cada grupo é responsável por um setor. Coube a Isaías a parte dos carros-alegóricos e ele acabou angariando também o título de carnavalesco da Aruc, apesar de esse cargo não existir oficialmente. “Frequento a escola desde os 8 anos. Meu pai trabalhou aqui, minha mãe foi baiana e acabei convivendo com uma equipe de carnaval com que aprendi tudo o que sei: Zuca, Roberto Machado, Ivan Machado. Conheço cada canto da Aruc e acho que por isso me elegeram como carnavalesco”, acredita.
Há um mês, ele praticamente se mudou da casa onde vive com os dois filhos, em Valparaíso, para o barracão da Aruc, que vai contar o seu cinquentenário no Ceilambódromo. “Nessa fase final, tem que se dedicar mesmo, então optei por ficar aqui. Sou viúvo, mas meus filhos entendem meu trabalho, sabem que isso aqui é minha vida”, confessa. Isaías participa de todas as etapas de criação de um carro-alegórico: desenha, faz a maquete, escolhe cada material, planeja o transporte e o acabamento final na avenida. “Aprendi muito na prática, mas a Aruc nos oferece cursos também de escultura, pintor, já trouxe gente do Rio para nos ensinar. Mas tem que ter um certo dom, ter ideias originais. Acho que carnavalesco é uma das poucas profissões em que você literalmente transforma o sonho em realidade”, opina.
Rotina intensa
A casa do carnavalesco Pedrinho da Águia foi tomada por plumas, paetês, penas, tecidos e afins. Tudo material para adornar as fantasias e adereços da escola de Ceilândia, onde está há duas décadas, e garante jamais abandonar. “Cansei de receber propostas das escolas concorrentes, mas como tenho a Águia Imperial no coração, não vou abrir mão disso aqui”, enfatiza. Pedro chegou a Brasília antes mesmo da cidade nascer e começou a se envolver com o carnaval, no fim da década de 1980. Como passou a trabalhar como estilista e costureiro, tornou-se o responsável pela criação das fantasias da agremiação ceilandense. “Desenho e crio todas as fantasias da escola. A cada ano, dá uma média de 70, 80. Tem que ter muita criatividade e amor ao trabalho. Te confesso que, mesmo com essa correria, a parte mais divertida do carnaval é quando estamos confeccionando os carros, os adereços. Nos tornamos uma família mesmo”, conta.
A rotina é realmente puxada e Pedrinho não para um minuto. Todos os anos ele diz que cria várias loucuras e que o retorno é sempre positivo. Orgulha-se de a Águia nunca ter saído do Grupo Especial desde que assumiu a função de carnavalesco. “E todos os anos, estamos em primeiro ou segundo. Se dependesse do público, seríamos campeões sempre porque é impressionante como somos aclamados no fim de todos os desfiles”, dispara. E a dedicação pela escola é tanta que ele até deixa um pouco de lado a outra ocupação que tem. Fecha mais cedo o Bolhas Bar, do qual é proprietário e funciona ao lado de sua casa, pra poder ficar por conta da Águia Imperial. “Suspendo a cerveja, mando os clientes embora, mas eles entendem. Tudo pelo carnaval”, declara rindo.
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