quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Opiniões quanto ao carnaval 2015

Visão do Correio Braziliense, 19/02/2015.
O povo faz a festa

“Há males que vêm para o bem.” Brasília experimentou do dito popular no carnaval de 2015. Mergulhado na mais grave crise financeira em 55 anos, o caixa do Distrito Federal não pôde, como de praxe, subsidiar a folia de Momo. O investimento estava estimado em R$ 12 milhões. Do total, pelo menos R$ 6 milhões seriam destinados às escolas de samba e o restante, para apoio a blocos, infraestrutura, ornamentação e outros gastos. A decisão do governo foi acertada ao cortar a despesa — supérflua frente à situação dos hospitais e das escolas e ao atraso no pagamento de professores e servidores da saúde.

A suspeita de que não haveria carnaval não se confirmou. Os blocos convocaram os foliões e foram às ruas com os recursos de que dispunham e elevada dose de alegria e bom humor. Os oito grupos mais conhecidos atraíram milhares de pessoas de todas as idades em diferentes pontos do DF. Foram cinco dias de muita folia. O encerramento da festa proporcionou cenário inédito no Plano Piloto. Cerca de 100 mil pessoas, atraídas por dois blocos, tomaram o Eixão Sul. Em quatro dias, mais de 1 milhão de foliões se divertiram nos vários pontos de concentração espalhados pelo Distrito Federal.

O Estado é necessário para manter a segurança, a limpeza, a mobilidade e o equipamento hospitalar. No trânsito ocorreram 13 mortes, número recorde na comparação com os últimos três anos. Quatrocentos motoristas foram multados por dirigir embriagados. O consumo excessivo de álcool, principalmente por menores, produziu cenas que constrangem a cidade — jovens sendo carregados pelos bombeiros para socorro médico. Pessoas apelaram para a pancadaria em meio aos blocos. Para que episódios semelhantes não se repitam, exigem-se do Poder Público ações efetivas, como proibir a venda de bebidas alcoólicas a adolescentes.

Para o DF, não vale o modelo carnavalesco do eixo Rio-São Paulo, como insistiram, por muito tempo, os organizadores da folia na capital federal. Prevaleceram a desordem organizada e a irreverência dos blocos de rua, como ocorre no Nordeste e, mais recentemente, no Rio, em São Paulo e nas principais cidades brasileiras. Às escolas de samba ficou o recado de que é preciso buscar recursos em outras fontes a fim de ganhar a avenida. O caminho fácil dos cofres do Poder Público deixou ser a melhor opção.

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O fim do carnaval oficial
RENATO ALVES
Publicação: 19/02/2015 04:00

Após o fim de um governo que só deixou más lembranças e o início de uma administração que só trouxe más notícias, Brasília vive a boa ressaca do maior carnaval da sua história — graças à criatividade dos mais de 20 blocos.

Ainda no pré-carnaval, o Suvaco da Asa arrastou 22 mil pessoas pelas ruas do Sudoeste Econômico. Nos quatro dias oficiais da festa, o Babydoll de Nylon levou 50 mil foliões à Praça do Cruzeiro. Raparigueiros e Baratona arrastaram a mesma quantidade de gente pelo Eixão. Tantos outros reuniram milhares de brasilienses e turistas em quadras comerciais, durante o dia e à noite.

O melhor de tudo é que a festa foi realizada sem um centavo dos cofres públicos. E, dessa forma, sem palanques, camarotes, locutores oficiais, a Brasília da qual não nos orgulhamos perdeu o seu espaço cativo. Tanto que a maioria dos políticos, assessores e puxa-sacos em geral preferiu ficar em casa ou partir para o anonimato em outras bandas.

O carnaval candango foi feito e curtido por quem e da forma como deve ser um carnaval. No ritmo que, sem horários e locais definidos por burocratas, sem regras, notas e competição que não combinam com a desinibição e o deboche dos foliões. Diante de tal cenário e de tais públicos — nunca antes registrados nos carnavais da capital —, o financiamento público dos desfiles das escolas de samba perdeu o sentido. 

É de respeitar a história de tais agremiações, como a Aruc. Mas, se elas querem sobreviver e se integrar ao novo carnaval brasiliense, precisam se reinventar. Caso contrário, a geração Brasília não sentirá falta dos desfiles, sejam eles no Ceilambódromo, sejam na Torre de TV. Como já não sentiu em 2015.

Ao Poder Público e aos poderosos, o melhor é continuar cumprindo apenas com a obrigação, dando segurança e mobilidade a quem quer brincar ou ficar de fora da folia. Uma forma de retornar aos contribuintes o mínimo dos cada vez mais altos impostos que lhe são enfiados goela abaixo a cada gestão, que se elege prometendo o paraíso e, logo de início, nos apresenta o inferno, como uma sem graça piada de salão.
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Opinião de quem acompanha o carnaval de Escolas de Samba em Brasília
O carnaval em Brasília vem crescendo de fato, há alguns anos. Há, porém, muitos equívocos no que é divulgado, e pior, algumas mentiras são repetidas até que se tornem verdades.

1.       Carnaval de blocos x carnaval de Escolas de Samba
Pela quinta vez o desfile não aconteceu. Assim como em 1981, 1994, 1995 e 2003 as Escolas não puderam ir para a Avenida. Em 2015 o diferencial foi a concentração de pessoas nos blocos de rua. Bom que haja esta diversidade de opções, mas é um erro terrível apontar que nosso carnaval agora é só de Blocos e que as Escolas de samba não fazem falta. Brasília sempre foi marcada culturalmente pelas expressões artísticas de todos os pontos do país e aqui os desfiles ocorrem desde 1962! Escolas como a ARUC e Acadêmicos da Asa Norte tem mais de 45 anos e todo um legado a ser preservado. A ARUC é inclusive Patrimônio Cultural Imaterial do Distrito Federal. As escolas do Grupo Especial vêm apresentando um crescimento notável recentemente e investindo na qualificação de seus componentes nas diferentes áreas de produção artística que envolvem um desfile. Montar um bloco é muito simples e em uma semana pode-se organizar um bloco em um ponto da cidade sem dispor de maiores recursos. Um desfile de escola de samba é um trabalho de ano inteiro, e é uma expressão artística que surgiu no Rio de Janeiro, mas se adaptou e marcou muito bem cidades como São Paulo, Vitória, Florianópolis, Porto Alegre e outras, além da própria Brasília. É temerário desqualificar nossas agremiações em um universo tão grande. Penso que o necessário é repensar duas questões básicas: primeiro, a quantidade de agremiações que hoje me parece excessiva. São vinte escolas, mas destas eu diria que doze ou quatorze são de fato relevantes. Com menos escolas (e isto pode ser resolvido com fusões, a exemplo do que se propõe para Administrações Regionais) você pode ter entidades mais fortes e que representem uma comunidade maior envolvida no carnaval. O segundo ponto é a estrutura para o desfile. Cidades menores como Macapá, Florianópolis e Bauru possuem sua passarela do samba, que é utilizada ao longo do ano para outros eventos. Por que Brasília não pode ter? Talvez uma adaptação no Autódromo Nelson Piquet, na reta dos boxes, onde já há arquibancadas. Uma intervenção que poderia evitar o gasto com estruturas temporárias todo o ano e dar um espaço de referência, bem localizado para o carnaval de escolas de samba. A iniciativa privada em Brasília precisa se envolver mais e apoiar de fato, mas o governo tem sim responsabilidade com a cultura local e as escolas que fazem um trabalho sério não podem pagar por aqueles que não desenvolvem bem seu carnaval. Não é questão de tirar da saúde para gastar com fantasias. É questão de planejar bem, pois o orçamento para cultura é sempre o primeiro a ser cortado, e crise não é coisa que tenha todo ano. Em condições normais o GDF pode e deve investir em uma manifestação cultural legítima. Se tem gente achando bom que não houve desfile, garanto que houve outro tanto, contribuintes e cidadãos de bem, que ficaram muito frustrados em não poder participar da principal manifestação carnavalesca do país.

2.       Local de Desfiles
Eu fui em todos os desfiles no Ceilambódromo entre 2005 e 2012 e posso afirmar. Não foi esse sucesso de público todo que alarmam por aí. Tenho registros fotográficos de desfiles e no momento em que certas escolas de outras cidades entravam na avenida, a arquibancada estava vazia. Por outro lado, em 2013 e 2014, com a volta do desfile para o centro da cidade, no dia do Grupo Especial, a arquibancada esteve lotada. Esvaziada ela estava no dia dos grupos de acesso, aí sim, um fracasso de público, mas para isto já apontei para a redução no número de agremiações. Com menos escolas e mais investimentos para estas o público vem. E mais. O desfile é uma competição. Levar para uma cidade específica é quebrar o elemento da neutralidade. Ceilândia não tem a exclusividade do povo do DF. Há escolas do Gama, Sobradinho, Recanto das Emas, Guará, Cruzeiro e outras mais. Em todas as cidades onde há carnaval, o desfile é feito na sua área mais central por duas razões: facilidade de acesso e neutralidade. Voltar o desfile para Ceilândia é favorecer uma escola em detrimento das demais. Por mais que a Acadêmicos da Asa Norte seja do Plano-Piloto, se há um lugar que possamos considerar território neutro, é o centro de Brasília. Com o desfile ocorrendo no Autódromo como propus anteriormente e uma linha de ônibus da Rodoviária para lá, todo o Distrito Federal terá facilidade de acesso, e não apenas uma cidade, pois por maior que seja, Ceilândia não é a única.
Carnaval é festa e como expressão cultural é para todos. Quem não gosta tem o direito de ficar em casa. Quem gosta de carnaval, e de escola de samba, também tem seu direito, ainda mais considerando o histórico de mais de cinquenta anos de desfiles em nossa capital federal. Não deixem as Escolas de Samba morrer.

Rafael Fernandes é professor de História e integrante da ARUC desde 2002.

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