sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Brasília: luta para reverter o cancelamento

Diferentemente de outras cidades, a capital federal optou por cancelar o carnaval em 2021. Blocos, escolas de samba e setor privado trabalham em alternativas, entre elas, uma folia digital

Há relatos de que as primeiras folias de carnaval em Brasília surgiram antes mesmo inauguração oficial da capital. No fim dos anos 1950, em locais como o Brasília Palace Hotel e em acampamentos na antiga Cidade Livre (atualmente Núcleo Bandeirante), já era possível ver comemorações durante a época festiva. No entanto, oficialmente, o primeiro carnaval no quadradinho, inspirado na temática carnavalesca do Rio de Janeiro, ocorreu em 1961, com pioneiros vindos dos mais diferentes estados. Naquele ano, a farra tomou conta de clubes do Plano Piloto e da Cidade Livre. A festança era um desejo de Israel Pinheiro, o administrador de Brasília na época.

De lá para cá, a passos curtos, Brasília foi se tornando um importante polo carnavalesco. Muito dessa fama veio na esteira do crescimento do carnaval de rua nos últimos anos. Em 2019, por exemplo, a capital reuniu mais de um milhão de foliões. Mas a ascensão da grande festa pode ser freada por causa da pandemia de covid-19. 

Com mais de 200 mil casos confirmados e 3,6 mil mortes em decorrência do novo coronavírus, o Governo do Distrito Federal anunciou que não realizará as tradicionais festas de réveillon e de carnaval em 2021. A decisão, tomada em consenso pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) e pelo governador Ibaneis Rocha, ainda não é definitiva segundo o secretário Bartolomeu Rodrigues. “O adiamento do carnaval segue como parcial, pois necessita de um decreto para ser definitivamente cancelado, mas a Secec e o GDF não podem, nesse momento de pandemia, sem vacina, estimular aglomerações na rua. Logo, seguem na linha do cancelamento que deve ser oficialmente anunciado em breve”, explica.

Neste cenário, a folia de Momo na capital federal nunca chegou tão perto de não ser realizada, visto que o governo anunciou ainda que não fornecerá a liberação de área pública nem subsídios para tais eventos em 2021. “Não haverá financiamento do carnaval, nem recurso público empregado em atividade que ofereça risco de saúde à população”, afirma Rodrigues. 

Em 2020, iniciativas de diversos formatos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do Carnaval 2020, lançado pela Secec, contemplaram 51 atividades realizadas em sete Regiões Administrativas do Distrito Federal que, ao total, receberam mais de R$ 3,9 milhões. Estima-se que a folia injetou mais de R$ 200 milhões nos cofres do DF, e gerou cerca de 18 mil postos de trabalho. 

Agora, diante do iminente cancelamento por conta da pandemia, os setores envolvidos nas comemorações falam quase que praticamente a mesma língua, prezando pela segurança e saúde da população. 

O presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília, Jael Antonio da Silva, reforça que apesar do prejuízo que o setor enfrentará com o cancelamento, o pensamento de proteção da população tem de ser prioridade. “Nós lamentamos profundamente, por conta do carnaval ser uma cultura do brasileiro e pelo grande prejuízo na rede hoteleira, de bares e restaurantes, mas neste momento a segurança tem de vir em primeiro lugar”, defende.

Em 2020, a expectativa da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do DF (Abih/DF) foi de que a taxa de ocupação dos hotéis estivesse em 32%, um aumento de 24% em relação a 2019. A capital ainda figurou em 2º lugar na lista de destinos mais em conta com passagens e hospedagens durante o período de carnaval, segundo o levantamento do site de buscas Kayak.

Maior campeã do carnaval candango, Aruc defende que a folia não precisava ser cancelada por completo
(Foto: Edilson Rodrigues/CB/D.A Press)

Situação das escolas

Se entre os blocos é observada uma tendência de crescimento recente, as escolas de samba do DF vivem uma estagnação. Já são seis anos sem que as agremiações — algumas das quais existem desde 1962 — desfilem em formato competitivo. Havia uma expectativa de uma programação no aniversário de 60 anos de Brasília, frustrada pela disseminação do vírus. Mesmo assim, há quem mantenha as atividades, focando no digital. Foi o que fez a Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc), maior vencedora do carnaval candango. Em dois sábados, a escola promoveu lives para escolher o samba enredo.

“A gente não esperava por um carnaval normal. Mas o que causou certo espanto foi a determinação ter sido dura. Não só não vão fomentar, como falaram em colocar a polícia nas ruas. O que a gente vê como certo é pensar em alternativas”, argumenta Rafael Fernandes, atual presidente da Aruc. Até por isso, a escola manteve a escolha do samba. “O carnaval é uma expressão popular. Não é preciso cancelar por completo. Podemos buscar meios e o poder público auxiliar nesse processo. Nós fizemos a escolha do samba, como comemoração do nosso aniversário e numa maneira de nos mantermos em atividade”, completa.

Fernandes ainda aponta algumas ideias: “Não temos só a internet. Podemos pensar em vendas de camisetas, em oferecer produtos. O importante é manter essa chama acesa”.

Na Acadêmicos da Asa Norte, o clima é de desesperança. Por causa da pandemia, a agremiação está com todas as atividades paralisadas e acumulando dívidas para manter a sede, antes alugada para eventos culturais. A notícia do cancelamento do carnaval não surpreendeu o grupo. “Nós e várias outras escolas estamos até hoje com materiais daquele carnaval em que os desfiles foram cancelados pela primeira vez. Criamos uma dívida com costureiras, carpinteiros. Foi um baque muito grande para as escolas e para um cenário que movimentava a economia com mão de obra. Então, não nos surpreendeu a decisão do cancelamento. Todos os anos, com ou sem pandemia, já não eram realizados os desfiles”, lamenta Robson Farias, vice-presidente, que também define como complicada a comunicação das agremiações com o órgãos governamentais.


Trecho de matéria publicada pelo Correio Braziliense. Leia a matéria completa aqui.

Reportagem de Fernando Jordão, Hellen Leite, Adriana Izel, Luiz Philipe Tassy (estagiário sob supervisão de Humberto Rezende). Colaborou Geovana Melo

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