Foto: Josemar Gonçalves |
“Enquanto for possível ouvir um batuque, nossa cultura se manterá”. O desabafo do presidente da União das Escolas de Samba (Unisebe) ecoa no abandono e na frustração das agremiações do DF. Sem recursos repassados pelo governo pelo segundo ano consecutivo, o semblante não disfarça o desânimo, mas os componentes dos grupos esperam reversão do cenário em 2017. “Não vamos desistir”, garante Geomar Leite.
Aos blocos que invadem as ruas da cidade, o Governo de Brasília destinou R$ 780 mil em equipamentos públicos, como banheiros químicos e segurança. Às escolas de samba, nada. “Já são dois anos com promessas”, reclama o presidente da Unisebe. Ele conta que a dívida, de cerca de R$ 2,5 milhões, aumenta a cada dia com acúmulo de juros. “Pediram nossa compreensão e que guardássemos as fantasias porque o carnaval de 2016 aconteceria. Resultado: nada”, lamenta. Seriam necessários R$ 6,5 milhões para colocar as escolas na avenida.
Agora, além de dívidas, tristezas, frustrações, fantasias amontoadas e carros abandonados, as agremiações somam processos trabalhistas por não terem condições de arcar com o pagamento de quem participou das confecções em 2015. “A maioria das escolas não tem outra fonte de renda. Para dar continuidade, o governo tem que pagar”, revela Geomar Leite, também responsável pela Águia Imperial de Ceilândia.
"A nossa cultura não vai morrer"
A ornamentação da Acadêmicos do Riacho Fundo 2, por exemplo, acumula quase R$ 200 mil em dívidas. Eles estavam com tudo pronto para entrar na avenida, mas agora procuram uma alternativa para arcar com o déficit provocado inclusive pela contratação de 30 funcionários, que vieram do Rio de Janeiro confeccionar as fantasias. “Estamos sobrevivendo na medida do possível. O governo faz o que acha que deve fazer, mas a nossa cultura não vai morrer”, completa o presidente da Unisebe.
Em vez de festa, ratos e entulhos
A escultura de um homem de braços abertos sobre um carro enferrujado pode ser vista de longe no Recanto das Emas. A posição, no entanto, não é convidativa. No espaço onde a Associação Recreativa, Desportiva e Cultural Unidos do Recanto das Emas (Aruremas) se reunia, há somente entulho e mato alto. Quem mora por ali diz que muita coisa mudou nos últimos anos. “Aqui tinha vida. Era animado, faziam eventos, ensaios. Agora só restou abandono”, lamenta o pedreiro Valdenei Batista, 51 anos.
Ele reclama do que aquilo se tornou: “Restam ratos, usuários de drogas, moradores de rua, água acumulada. Isso aqui, agora, não serve para nada”. Nos últimos dois anos, ele viu integrantes da escola de samba por lá, mas nunca trabalhando como antes.
Anderson Santos, presidente da agremiação, diz que o cenário da escola é justamente o que se vê: abandono. “Nós também estamos nos sentindo abandonados, mas pelo governo. A Aruremas não está fazendo nada. A gente não consegue trabalhar sem verba”, conta. Ele questiona a ajuda aos blocos: “Se não tem dinheiro para promover o Carnaval por completo, deveria ter direcionado para educação, saúde, transporte”.
A Administração Regional do Recanto das Emas informou, em nota, que a Aruremas foi criada em 1997 e, há mais de 15 anos, usa o espaço cedido e é responsável pelo cuidado do local. Apesar disso, o espaço estaria incluído em programas de ações da regional e passa por limpeza. A administração acusa dificuldade em contatar os responsáveis pela agremiação para retirar objetos e equipamentos que possam ser pontos de acúmulo de água e aguardam entrega de documentação solicitada.
Versão oficial
Por telefone, a assessoria de comunicação da Secretaria de Cultura informou que a promessa para quitação das dívidas contraídas pelas escolas de samba se deu no governo passado. Em 2015, o que teria acontecido foi uma tentativa de cumprimento, o que não foi possível diante da situação financeira do DF. Neste momento, a pasta não teria condições nem de pagar os atrasados nem de realizar novos repasses.
No entanto, haveria uma aproximação entre as agremiações e o secretário de Cultura para promover a captação de recursos com a iniciativa privada ou a inserção na Lei de Incentivo à Cultura, já que as perspectivas para 2017 não seriam boas. A expectativa é que, em março, as conversas continuem.
Trabalho, fantasias e sonhos perdidos
Isabela Teles tem 21 anos. Se mudou há pouco para o Guará, se formou como passista, mas não consegue vestir a fantasia e entrar na avenida. Os cancelamentos de repasse de verba do Governo do Distrito Federal (GDF) não a deixam realizar o sonho. “Não consigo desfilar porque não tem desfile. Nem fantasia eu tive porque o Carnaval não foi para frente nesses dois anos. Fico triste, frustrada. Quem sabe no ano que vem…”, espera a passista.
No barracão da Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro (Aruc), ela ajuda a confeccionar fantasias por encomenda. O serviço é, junto com eventos, o que mantém as verbas da escola, que não tem dívidas. Os protótipos das fantasias estão guardados em uma saleta. Os carros, enferrujados pelas ações de sol e chuvas, em um canto do terreno. A escultura de um touro, que desfilou na avenida há três anos, descansa encostado no portão. Por enquanto, nada sai do papel.
“Nossa expectativa era de fazer o desfile, botar nossa escola na avenida. Mas novamente o governo veio com discurso que não tem dinheiro para as escolas. Nós ficamos frustrados”, diz o estilista William Borges. Ele explica que o GDF precisaria arcar com metade dos custos.
“O que a gente fica mais triste é que a escola de samba trabalha muito com a cultura. O que mostramos na avenida é a nossa arte. Estão querendo tirar isso da gente, mas ainda lutamos”, lamenta o estilista.
Saiba mais
A Lei 4.738/2011 institui o Carnaval com evento oficial do Distrito Federal e prevê que deve ser organizado, gerido e apoiado financeiramente pela Secretaria de Cultura.
A legislação diz ainda que a realização dos desfiles das escolas de samba, dos blocos de enredo e carnavalescos tradicionais será contratada pela pasta com recursos provenientes do orçamento do Distrito Federal.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília
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