domingo, 1 de março de 2015

Futuro nebuloso das escolas

Com o grande sucesso dos blocos de rua mesmo sem verba do governo, as 21 agremiações, que não desfilaram por falta de dinheiro, temem perder espaço na folia candanga e cobram do GDF soluções para 2016

» CAMILA COSTA, do Correio Braziliense, 1º/03/2015

A crise financeira histórica do Distrito Federal não restringiu os cortes apenas aos pagamentos de servidores. Chegou também ao carnaval. Ainda que os blocos tenham superado a falta de dinheiro e feito sucesso inédito nas ruas, com público de 1 milhão de pessoas — segundo a Liga dos Blocos —, as 21 escolas de samba não tiveram a mesma sorte e, por falta de recurso, não colocaram seus carros na avenida. A preocupação, agora, vai além do investimento legal (veja O que diz a lei) previsto para a folia. Presidentes, diretores e representantes das agremiações do DF temem que o desfile não saia mais dos barracões por falta de interesse do governo em resolver, principalmente, as questões burocráticas relacionadas ao carnaval.

No rol das maiores manifestações culturais do mundo, o carnaval não é feito apenas de fantasias, brilhos, confetes e serpentinas. Muita coisa tem que ser organizada para a festa acontecer. E, para isso, é preciso dinheiro. No governo Agnelo Queiroz, foi aprovado o repasse de R$ 6,35 milhões às escolas para o carnaval de 2015. Mas o rombo financeiro diagnosticado durante a transição foi confirmado pela atual gestão, que, na tentativa de conter gastos, não permitiu que a verba fosse liberada. Agora que o carnaval passou, muitos carnavalescos demonstram receio na organização para 2016. 
Segundo o presidente do Conselho de Administração da Associação Recreativa Cult"Queríamos que isso já estivesse resolvido. O governo demonstrou a intenção de voltar com os desfiles em 2016, mas, até agora, nenhum secretário se manifestou publicamente de forma afirmativa sobre o assunto. Dois anos sem desfile é decretar a falência" 

Hélio dos Santos, presidente do Conselho de Administração da Arucural Unidos do Cruzeiro (Aruc), Hélio dos Santos, as escolas ainda não foram procuradas para se discutir como ficará a próxima festa. Eles se preocupam como será quitada a dívida das agremiações com os prestadores de serviços e fornecedores, contratados no ano passado para executar o desfile de 2015. “Nossa maior preocupação é em relação ao governo tomar uma posição com antecedência porque, se demorar, ficará mais um ano sem carnaval. Queríamos que isso já estivesse resolvido. O governo demonstrou a intenção de voltar com os desfiles em 2016, mas, até agora, nenhum secretário se manifestou publicamente de forma afirmativa sobre o assunto. Dois anos sem desfile é decretar a falência”, avaliou o diretor. 

Só em dívida, o carnaval amarga, de acordo com estimativa da União das Escolas de Samba e Blocos de Enredo do DF (Uniesbe), R$ 2 milhões. A Acadêmicos da Asa Norte, por exemplo, soma um passivo de R$ 350 mil. A escola estava com 80% do carnaval prontos. Com a dúvida sobre o futuro da festa, a agremiação afirmou que faz eventos na sede da escola regularmente a fim de arrecadar dinheiro. “Estamos tentando viabilizar a escola. Fazemos eventos, alugamos o espaço, para ver se tapa o buraco que o governo deixou. Estamos com medo, sim, dessa incerteza do governo. A verdade é essa. Eles estão indecisos se farão ou não o desfile”, observou o presidente da Acadêmicos, Robson Farias. Para ele, desestimular os desfiles é começar uma trajetória de fim. “Estarão cravando uma estaca no peito da cultura”, lamentou.

Temor
Este seria o segundo ano da Coruja Serrana, de Sobradinho II, na avenida do samba de Brasília. Atualmente, depois da frustração de não desfilar, integrantes da agremiação tentam administrar outro medo: o de não ser mais importante para o carnaval. Se, mesmo sem dinheiro e sem a participação das 21 escolas de samba do DF, o carnaval foi um sucesso, qual seria a necessidade de o governo continuar investindo nesse lado da folia? “Pode ser que isso enfraqueça o desfile das escolas. Só querem um motivo para não fazerem mais nada. Não deram dinheiro, os blocos foram para a rua, foi tudo um sucesso, todo mundo elogiou. Mas e as escolas? É preciso respeitar as escolas”, declarou o presidente da Coruja Serrana, Rony Pala. “A preocupação é para todos, mas o governo é que precisa resolver”, resumiu o presidente da Aruremas, escola do Recanto das Emas.

Presidente da União das Escolas de Samba e Blocos de Enredo do DF (Uniesbe) e da Águia Imperial, de Ceilândia, Geomar Leite afirmou que a ajuda do governo é fundamental para que as agremiações voltem a desfilar. Segundo ele, o sucesso visto com a saída apenas dos bloquinhos de rua seria o mesmo se as agremiações tivessem desfilado. Para ele, a maior preocupação não é com a perda de lugar no carnaval da cidade, mas, sim, com as garantias de que a folia vai mesmo acontecer. “Estaremos juntos no próximo ano. Os blocos são uma coisa e as escolas de samba, outra. O desfile é um teatro ao ar livre. E o carnaval tem que crescer mesmo. Mas uma coisa é certa: aceitamos as dificuldades num primeiro momento, mas não vamos aceitar num segundo. Vamos garantir o cumprimento da lei”, avisou Leite.

Responsável pelo gerenciamento do carnaval da cidade, a Secretaria de Turismo afirmou que começará a dialogar com as escolas. Ainda não tem data prevista. Porém, segundo o secretário da pasta, Jaime Recena, não há motivo para preocupações. “Uma coisa não tira o brilho da outra. O desfile das escola é importante, tradicional, e não é porque os blocos deram muito certo que isso vai mudar. Uma coisa não tem relação com a outra. Temos que começar a planejar, ver a questão das dívidas contraídas, e o desfile será retomado”, garantiu Recena.


O que diz a Lei

O carnaval brasiliense é garantido pela Lei nº 4.738, de 29 de dezembro de 2011. A regra determina a responsabilidade do GDF em pagar “a infraestrutura, os serviços públicos de apoio e a divulgação necessários à realização do carnaval do Distrito Federal”. A lei esclarece ainda que esses recursos devem ser pagos antecipadamente, em pelo menos três parcelas, às escolas de samba, aos blocos de enredo e aos blocos carnavalescos, para possibilitar a utilização na preparação dos desfiles contratados.


Dívida com fornecedores

A produção de um desfile de escola de samba começa quase um ano antes de as agremiações entrarem no Sambódromo. Em 44 anos de espetáculo, Brasília ficou sem a folia oficial quatro vezes. Apenas em 2015, o motivo foi a falta de verba do Governo do Distrito Federal (GDF). Todo ano, a União das Escolas de Samba e Blocos de Enredo do DF faz uma carta de crédito com lojas de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Brasília para que os grupos possam adiantar o serviço e começar a produzir as fantasias. À medida que as agremiações vão recebendo o dinheiro, a dívida é paga. Como não houve repasse de verba, as linhas de créditos abertas ainda não foram pagas.

Um comentário:

  1. Futuro aparentemente mais nebuloso ainda, depois de ler esta notícia: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2015/03/12/interna_cidadesdf,475171/gdf-vai-liberar-r-500-mil-para-realizacao-de-via-sacra-de-planaltina.shtml

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