por Rafael Campos, Correio Braziliense de 21 de janeiro de 2016
Helena quer seguir a mãe desfilando na Aruc, Íris, passista da escola: sonho adiado pela segunda vez |
Helena tem 7 anos e só pensa em carnaval. Filha de uma das passistas mais antigas da Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc), a recepcionista Íris Belchor, 35, o que mais deseja é acompanhar os passos da mãe. Porém, desde 2015, seu sonho precisa ser adiado. “A primeira vez que sambei na avenida foi aos 5 anos. Desde então, eu e toda a minha família estamos envolvidos. Mas, hoje, a Helena não tem como participar daquilo que me encantava”, afirma Íris.
Desde que a crise econômica se tornou a principal razão para que as escolas de samba parassem de receber apoio financeiro do governo, a situação da folia no Cruzeiro tem ficado cada vez mais incerta. Além disso, a mudança do local de realização do bloco Suvaco da Asa, que havia se tornado tradição do bairro, fez ainda mais silenciosa a festa em uma das áreas mais representativas do carnaval de Brasília.
“O GDF diz que não vai poder ajudar com o carnaval porque tem de cuidar de outras áreas, como a saúde. Mas o caos na saúde continua o mesmo”, afirma Íris. Mesmo que alguns eventos estejam programados — a escola planeja festas no barracão nos dias 24 e 30 de janeiro, além de um baile no dia 8 de fevereiro —, o samba como expressão cultural tem ficado cada vez mais em segundo plano no DF. Essa é a opinião de Hélio dos Santos, um dos membros do conselho administrativo da Aruc. “É algo péssimo para a cultura e já estamos preocupados se a situação vai se manter em 2017.”
Escolas e blocos
A ala mais antiga da Aruc teme que o estado atual prejudique ainda mais a educação dos mais jovens em relação à importância histórica da agremiação, que detém 31 títulos e é considerada Patrimônio Cultural Imaterial do DF. Filho de um dos fundadores da escola e diretor de bateria, Flávio Vitorino Martins da Costa, 51 anos, lembra quando, em 1976, fez de tudo para participar do desfile.“Havia sido reprovado e meu pai não me deixou ir. Saí escondido, no último ônibus, e fui empurrando um carro alegórico só para desfilar. É um dos momentos que mais me marcaram”, recorda. Para ele, outro ano sem apresentações pode reforçar a ideia de que as escolas de samba são menos importantes que os blocos de rua.
“A Aruc nasceu em 1961, tem uma história que faz parte da cidade e que está ameaça da acabar por conta de problemas políticos e de gerência. Brasília tem capacidade de ser um exemplo para o Centro-Oeste, se o governo e o empresariado tivessem maior visão nesse investimento, pensando a longo prazo”, garante.
Outro problema, em sua opinião, é a mudança no perfil da população do Cruzeiro, com o aumento do poder aquisitivo dos moradores. “Há uma diminuição do interesse por esse tipo de manifestação cultural. O Suvaco da Asa saiu daqui por imposição de moradores que não conseguem imaginar que, em uma tarde no ano, possa acontecer uma festa. É o interesse de meia dúzia sobrepondo o de milhares”, reclama.
Desodorante da Asa
Alguns moradores do Cruzeiro e Sudoeste não aceitaram facilmente a mudança de local do Suvaco da Asa. Tanto que uma manifestação numa rede social, com a hashtag #osuvacoéaqui, conta com mais de sete mil presenças confirmadas. Eles pretendem fazer uma caminhada em protesto, saindo do Quiosque da Codorna até o barracão da Aruc, no próximo sábado, mesmo dia em que os foliões vão pular no bloco original, desta vez na Funarte. Organizador do movimento, Francisco Sousa Correia deixa claro que não pretendem fazer uma festa. “Isso é um manifesto contra o descaso em relação ao Cruzeiro, do ponto de vista carnavalesco”, frisa.
De acordo com Francisco, a passeata quer mostrar a indignação da parte dos moradores que não se opõem à realização da festa no local: “Somos a favor da volta dele. Por isso, não somos concorrência nem bloco alternativo. Só queremos ter nosso carnaval de novo.” O administrador do Sudoeste e Cruzeiro, Paulo Feitosa, garante que as regiões não vão ficar sem comemoração. Com a saída do Suvaco da Asa, que ano passado reuniu 80 mil pessoas, outros grupos de foliões das regiões se uniram para criar um coletivo único. “Eles vão realizar o Bloco Desodorante da Asa, que vai desfilar no dia 30 de janeiro no mesmo local”, assegura.
"A Aruc tem uma história que faz parte da cidade e que está ameaça da acabar por conta de problemas políticos e de gerência. Brasília tem capacidade de ser um exemplo, se o governo e o empresariado tivessem maior visão nesse investimento, pensando a longo prazo"
Flávio Vitorino da Costa,
diretor de bateria
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