Texto de Severino Francisco no Correio Braziliense de 12/11/2015.
É impressionante, a cada semana surge em Brasília uma proposta estapafúrdia precisamente de quem deveria zelar pelos interesses da cidade. Os brasilienses se veem constrangidos a defender a obra de Athos Bulcão, o Touring Club ou a qualidade do meio ambiente no Sudoeste de ações predatórias ou de descaso. Estamos em pleno faroeste caboclo. Quando a gente imagina que chegou ao limite do absurdo, irrompe novo despautério.
A última pérola é de autoria do líder do governo na Câmara Legislativa, Júlio César (PRB), que propõe vender o terreno onde funciona a Aruc (Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro). Segundo informa a coluna Eixo Capital, em pronunciamento na semana passada, o distrital argumentou que grande parte da área está ociosa e o negócio poderia render milhões para o GDF. Ele não sabe que só a Aruc e o Morro da Capelinha são tombados como Patrimônio Cultural Imaterial de Brasília.
Primeiro, é preciso informar aos desavisados que aquele chão da Aruc é sagrado. Por lá, pisaram Cartola, Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Clara Nunes, Xangô da Mangueira e Zé Keti, entre outros, em shows memoráveis, nos anos 1970 e 1980. Eles plantaram a semente do samba em Brasília, que vingou e hoje é um dos motivos de orgulho da cidade, com os novos talentos (Renata Jambeiro, Breno Alves, Vinicius de Oliveira, entre outros) que brilham em plena Lapa, no Rio de Janeiro, o templo do samba.
Primeiro, é preciso informar aos desavisados que aquele chão da Aruc é sagrado. Por lá, pisaram Cartola, Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Clara Nunes, Xangô da Mangueira e Zé Keti, entre outros, em shows memoráveis, nos anos 1970 e 1980. Eles plantaram a semente do samba em Brasília, que vingou e hoje é um dos motivos de orgulho da cidade, com os novos talentos (Renata Jambeiro, Breno Alves, Vinicius de Oliveira, entre outros) que brilham em plena Lapa, no Rio de Janeiro, o templo do samba.
Em segundo lugar, a alegada ociosidade é fruto da inércia do poder público. O contrato da Aruc não foi renovado há muito tempo e isso impede a escola de fazer benfeitorias, receber alvará de construção ou promover eventos sociais de integração da comunidade. O próprio Ministério Público recomendou que se regularizasse a situação, mas cada governo empurra a questão com a barriga.
Ao longo do tempo, o trabalho da Aruc ganhou um peso na vida comunitária em um ambiente de cerceamento da vida política, promovido pelo regime militar de 1964. O Cruzeiro era esquecido, não tinha administração, infraestrutura, postos de saúde. O mato crescia para todos os lados. Nas décadas de 1970 e 1980, a Aruc se tornou porta-voz do simpático bairro.
Em 1977, com a redemocratização do país, um grupo de jornalistas resolveu criar a Sociedade Armorial Patafísica Rusticana Pacotão. “Vamos para a Aruc que o Sabino nos apoia.” Sabino, o então diretor da agremiação, adorou a ideia e colocou a bateria da Aruc a serviço do primeiro desfile anárquico do Pacotão, na contramão das avenidas W3 Sul e Norte.
Em 1977, com a redemocratização do país, um grupo de jornalistas resolveu criar a Sociedade Armorial Patafísica Rusticana Pacotão. “Vamos para a Aruc que o Sabino nos apoia.” Sabino, o então diretor da agremiação, adorou a ideia e colocou a bateria da Aruc a serviço do primeiro desfile anárquico do Pacotão, na contramão das avenidas W3 Sul e Norte.
Tenho uma ligação sentimental com a Aruc também pelo fato de que, ao se submeter a uma delicada cirurgia, o meu amigo, o jornalista e poeta Reynaldo Jardim, reuniu a família e avisou: “Vai dar tudo certo. Mas, se não der, chamem a bateria da Aruc e façam um samba de arromba”.
Reynaldo morreu, mas, no sarau de sétimo dia em sua homenagem, lá estava a bateria da Aruc para abrir o caminho à subida do poeta rumo aos céus de Brasília: “Quero morrer numa batucada de bamba/Na cadência bonita do samba”. É essa a instituição que Sua Excelência quer transformar em sem-teto. Como diz o samba de Noel Rosa: “Meu Deus do céu, que palpite infeliz...”
Nenhum comentário:
Postar um comentário